Com objetivo de honrar uma das prioridades do seu Plano Pastoral, a de defender radicalmente a vida, a Diocese de Crateús promoveu no último sábado (14/03), no auditório João Paulo II, em Crateús-CE, Seminário da Água e dos Grandes Projetos. O evento contou com a participação de representantes do poder público municipal de várias cidades, sindicatos, representantes de comunidades atingidas ou ameaçadas por projetos de grande impacto, além de agentes de pastoral. Um dos principais encaminhamentos do debate foi instituir uma comissão que animará a participação na construção dos planos municipais de recursos hídricos, bem como o enfrentamento e qualquer iniciativa que agrida a vida em favor de lucro.

A primeira parte do encontro contou com o testemunho de representantes de comunidades atingidas por projetos polêmicos, tais como os prejudicados pela mineração em Quiterianópolis, acompanhantes das famílias atingidas pelo Lago de Fronteiras, em Crateús, e pela iminência da atividade de extração de energia eólica em Poranga. “Além de não sabermos para quem vai realmente aquela água, ainda acompanhamos o dia-dia de famílias convivendo com a desinformação e o medo. Para muitas famílias, Lago de Fonteiras é sinônimo de angústia”, compartilhou Keila Rodrigues, militante do Movimento dos trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O segundo momento foi marcado pela análise de especialistas. Inicialmente, o professor da UFC, Zé Carlos, deu uma aula sobre as dores e as delícias do Semiárido. Falou do potencial hídrico e de como tecnologias de convivência com o bioma, bem como a mudança de paradigmas na relação com o líquido sagrado podem ser ações mais eficazes para garantir água potável, embora, segundo o próprio, grandes obras não signifiquem, necessariamente, algo ruim. Ele viu nos depoimentos que o antecederam o reflexo de como até mesmo políticas defendidas por ambientalistas podem ser danosas ao bem estar das comunidades, quando aplicadas de maneira equivocada. “Se alguém falasse há 30 anos que a implantação de energia eólica seria desastroso seria vaiado. Hoje percebemos como o capital se apropria das nossas propostas, e de uma forma ou de outra arruma um jeito de lucrar”, argumentou o professor.

Soraya Tupinambá falando sobre a seriedade da Convivência com o Semiárido

A assessora parlamentar Soraya Vanine Tupinambá criticou a forma com o poder público demonstra compreender a convivência com o Semiárido. “Convivência com o Semiárido não pode ser política compensatória, e sim a grande política. Ninguém é contra o desenvolvimento, mas precisamos pensar quais ações são sustentáveis, e quais são prejudicais”, pontuou a assessora. Para ela, atividades como a mineração, a cultura do camarão no sertão, são práticas prejudiciais por requererem uso demasiado de recursos hídricos. “Enquanto Fortaleza, a capital do Estado do Ceará, não tiver uma forma de captação de água da chuva, mesmo com imensos telhados de estádios, hospitais e outros aparelhos públicos, não podemos dizer que temos uma política de convivência com a Seca”, declarou, fazendo crítica às limitações do projeto para esse fim anunciado pelo Governo do Estado há algumas semanas.

ENCAMINHAMENTOS

Dom Ailton Menegussi, bispo da Diocese de Crateús, relembrou o papel da igreja em relação a vida. “Para defender a vida a gente precisa compreender melhor as causas que levam ao sofrimento de muitas pessoas, por isso esse seminário é um gesto concreto de nossa igreja”, explicou. Animados por ele, leigos, leigas, religiosos e religiosas, além de parceiros/as pensaram em estratégias para resistirem e enfrentarem todo e qualquer grande projeto que agride a vida, não necessariamente com intuito de barra-lo (embora seja exatamente esse o objetivo em casos como o risco da instalação de uma mineradora em Ipaporanga), mas principalmente garantir direitos e a aplicação correta daquele recurso investido.

Contudo, para dizer de forma sintética, para animar as ações em favor da água e para enfrentarem as sequelas sociais e ambientais dos grandes projetos, foi formada uma comissão mista, formada por mulheres, homens, jovens e adultos, leigos e religiosos, para dentro da dinâmica pastoral, com diálogo aberto com parcerias estratégicas, serem o braço diocesano para atuação nessa área.