Maria do Rosário e sua caderneta agroecológica
Por Eraldo Paulino, Nágila Feitosa e Sandro Teixeira
O dia já vem raiando, e a professora e agricultora Nilda Soares, 50 anos, comunidade Riacho, Quiterianópolis, levanta. Logo passa o café, mas é no quintal que o dia de fato amanhece para ela, seja aguando as plantas, seja colhendo hortaliças fresquinhas com gotas do orvalho, que além de saudáveis contribuírem para a segurança alimentar e nutricional da família, o excedente ainda será comercializado. Toda essa rotina que sempre lhe deu imenso prazer só passou a ser devidamente valorizada por ela própria após ter contato com a Caderneta Agroecológica, uma ferramenta incentivada pelo Projeto Paulo Freire, realizado na região dos Inhamuns pela Cáritas Diocesana de Crateús (CDC), com financiamento da SDA e do FIDA, que possibilita às mulheres do campo registrar tudo que produzem, e a renda direta e indireta gerada, proporcionando, assim, que elas passem a dar o devido valor ao fundamental trabalho que desenvolvem.
“[Após utilizar a caderneta agroecológica] a gente passou a valorizar o próprio trabalho, enquanto a gente achava que não fazia nada, porque não tinha parado para anotar tudo e avaliar”, continua Nilda. Com ela, são 18 mulheres acompanhadas pela CDC utilizam a caderneta agroecológica, e após um ano e meio do primeiro contato com a ferramenta, todas dão testemunho de como a invisibilidade e a desvalorização do trabalho feminino, imposto pelo patriarcado, pode ser superado a partir do momento que há a devida reflexão sobre a importância das atividades realizadas pelas camponesas. “Hoje vejo o tanto que eu produzo, porque quando eu termino de preencher a ficha do mês eu vejo o tanto que eu consumi, troquei ou vendi. Antes só dava valor às coisas compradas de fora, sendo que a maioria das coisas que consumimos em casa eu tiro do meu quintal”, partilha a agricultora Vilma Alves, de 58 anos, da comunidade Pau Preto, Parambu.
Seguindo a lógica de todo movimento que busca empoderar as mulheres e conquistar direitos para elas, a Caderneta Agroecológica não faz bem só a elas, mas a toda família, especialmente aos filhos e companheiros. “Se ele [o marido, agricultor Nonato Reis, de 34 anos] colhe alguma coisa, ele já vem e fala pra colocar na caderneta. É tipo assim, um time entre eu e ele, porque se ele colhe quando eu não estou em casa, ele me avisa, se ele vende alguma cosias ele me avisa, nós temos essa parceria de nós dois fazermos a anotação juntos”, partilha a agricultora Maria do Rosário, de 22 anos, da comunidade Santana, município de Tauá. Dessa forma, não só o companheiro passa a reconhecer ainda mais a importância da companheira, como também ele próprio passa a se valorizar também, porque a luta das mulheres é para um processo de mudança com, e não sobre os homens.
Maria do Rosário e o companheiro Nonato
MULHERES COMO GUARDIÃS DA AGRICULTURA FAMILIAR
A agricultura familiar e o espaço feminino no campo vêm se modificando a cada dia, de acordo com as multitarefas executadas pelas mulheres, que em muitas ocasiões possuem seu trabalho invisibilizado. Essas se desdobram entre as atividades de mãe, esposa, dona de casa e agricultoras, rompendo diferentes barreiras com suas funções dentro da rotina doméstica, cuidados com os filhos, etc. É possível identificar nessas mulheres a marca do sol na pele, olhos atentos e sorrisos acolhedores que nem sempre revelam os desafios enfrentados. Dentro das atividades executadas pelas mulheres do campo, é visível uma maior segurança na sua execução, como também na sensibilidade da preparação para a produção, consumo ou comercialização dos seus produtos, visando todo o processo desde o seu investimento inicial administrativo como dos seus lucros.
Através do empoderamento feminino proporcionado não só pela Caderneta Agroecológica, mas também por toda formação e acompanhamento sistemático proporcionado pelo Projeto Paulo Freire, é possível visualizar um crescimento individual e coletivo na vida de mulheres camponesas, pois se tornam mais independentes e realizadas, possibilitando assim um engajamento social e a qualificação da sua mão de obra direcionadas ao plantio, manejo do solo, recuperação de áreas e produção diversificada, além da reafirmação de que a mulher possui um papel fundamental dentro da sociedade econômica e social, como também comprovar que os seus sonhos podem ser concretos e reais, ou seja, com o devido auxílio a consequência natural é a emancipação delas enquanto sujeitas, protagonistas da própria história.
A CADERNETA
Você já conhece a Cardeneta Agroecologica, não? Pois se trata de um instrumento de mensuração de valores, desenvolvida pelo Fundo Internacional de Desenvolvimento Agrícola (FIDA), e é fácil de manuseio, podendo ser adotada por qualquer agricultor (a) na sua unidade de produção. Nela, as agricultoras fazem as anotações de seus produtos, o que consomem, doam, trocam e comercializam, mensurando em valores seus produtos e serviços, mostrando o protagonismo feminino na geração de renda da família. E tem mais, depois de estarem usando a caderneta, elas têm diversificado a produção e superado preconceitos.
Você pode saber mais sobre a Caderneta Agroecológica AQUI.