O juvenil e canhoto vento das ocupações que tomam conta de universidades e escolas de Ensino Médio de todo Brasil se misturou com o “Aracati”, famoso vento que costuma soprar por volta das 20h em Crateús, e impulsionou corações e mentes para ocupar na noite de ontem (28/11) a Câmara Municipal dos Vereadores. Após aqueles que foram eleitos para representar o povo cometerem o ato imoral de aumentar o próprio salário e o valor do subsídio repassado à casa legislativa, moradores da cidade reagiram e conseguiram articular 7 mil assinaturas para um Projeto de Lei de Iniciativa Popular que previa a redução imediata desse recurso, e dinheiro remanescente dessa conta  para áreas como saúde e educação. Após quatro sessões, os vereadores não só ignoraram a proposta popular, como na última segunda-feira entraram em recesso. Diante desse total desrespeito, não restou à população outra saída que não radicalizar a luta. Mas radicalizar no sentido cristão, de ter o compromisso intransigente com a vida em plenitude e oposição consequente a tudo que for injusto.

Os vereadores da “Casa do Povo” de Crateús se beneficiam do que a Constituição garante, que eles podem aumentar o recurso dentro de um dado teto, mas contraditoriamente desrespeitando a parte da mesma Carta Magna que enfatiza: “Todo poder emana do povo”. Ou seja, sete mil assinaturas é mais do que qualquer um dos vereadores recebeu de voto, mas na matemática intransigente deles, acreditam que se auto-representar é mais legítimo do que obedecer a vontade popular. O movimento, do qual participam crianças, jovens, mulheres, homens, pessoas idosas, professores, estudantes, trabalhadores, desempregados, sindicalistas, militantes de movimentos sociais, bispo, padres, freiras, animadores de comunidade, continua crescendo. E cresce mesmo diante de um cenário absurdo no qual vereadores da mesa diretora da Câmara ou são donos ou são afiliados de donos de concessão pública de rádios, e na esteira da audiência populista contaminam a população com inverdades, discursos terroristas ou simplesmente mentirosos, querendo desacreditar o movimento legítimo.

Mas além da exigência pela imediata redução do repasse de subsídios para a Câmara, o povo organizado também quer que os vereadores respondam ainda: por que 55 pessoas contratadas por uma casa tão modesta de 15 vereadores? Todas elas trabalham efetivamente? Com o quê foram gastos R$ 190.982,00 destinados à comunicação da Câmara, já que que ninguém de Crateús viu propaganda institucional na Globo sobre as benfeitorias dos vereadores crateuenses? Se vocês gastam mensalmente R$ 6.700,00 com serviço de digitalização, vocês escanearam algum documento banhado a ouro?  Se vocês gastam por mês R$ 6 mil com organização de arquivo morto, por que vocês também gastam R$ 6 mil mensais com assessoria e consultoria em licitação? Todo mês é feita uma licitação superfaturada para organizar arquivo morto? Se esses dados são o que vocês divulgam no portal da transparência, e portanto são oficiais, então nos digam: é para isso que vocês querem 7% de tudo que o município arrecada com imposto? Como vocês querem que a gente não desconfie de superfaturamento e desvio de recursos? Infelizmente, não tivemos tempo de perguntar isso aos senhores vereadores, mas uma das pautas da ocupação é que eles cancelem o recesso parlamentar e prestem esclarecimentos à população.

E a luta segue. É árdua. É dura. Mas ela segue. Segue porque é justa. Não achamos que todo problema orçamentário se resolverá com o fim de gastos exorbitantes da Câmara dos Vereadores, mas em tempos de PEC 55, em que os ricos estão querendo que os pobres paguem pela crise que eles mesmos criaram, é preciso começar por algum ponto. Não é intenção dos movimentos sociais parar por aqui. A partir de agora, a farra com os gastos públicos no município de Crateús está com os dias contados.

Por Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús.