O intercâmbio realizado dentro da programação da 14ª Feira da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária no município de Ipaporanga foi alento para quem pôde conhecer as ricas e potentes experiências de defesa da vida promovidas pelas comunidades ao pé da serra da Ibiapaba. No território ameaçado pela sanha de grandes empresas de olho no minério de ferro escondido em seu solo, sua gente soube identificar a tempo os perigos que a extração reservaria às comunidades da região. A ampliação das implementações de tecnologias sociais de convivência com o Semiárido, a educação contextualizada em todas as escolas do município e a articulação do Movimento em Defesa da Vida formam uma rede de ações que se interligam e respondem como a população conseguiu fazer frente contra a invasão de empreendimentos de mineração.
Uma das experiências que as/os participantes da Feira conheceram foi o Ecociclo, um sistema de irrigação de quintal produtivo por gravidade. A tecnologia implementada na casa de Apolinário Paula do Nascimento, na comunidade Mundo Novo, foi porta de entrada para uma conversa sobre o uso e a defesa das fontes de água da serra e a consequente criação da Associação dos Agricultores do Olho d’água do Mundo Novo. Em todo o município são cerca de 64 olhos d’água.
Outro grupo de participantes foi à sede do Movimento em Defesa da Vida (MDV) dialogar sobre as ações e a história desta associação. Nascida no contexto de descoberta do projeto de extração mineral no Projeto Plurianual do município em 2014, as comunidades formaram uma comissão para discutir o que estava em jogo. Entendendo que a mineração era apenas uma das faces negativas de uma ideia de desenvolvimento à custa dos territórios ambientalmente ricos e de suas populações, a comissão foi transformada no Movimento em Defesa da Vida. A partir de então, a organização passou a atuar de forma integral em relação à proteção socioambiental do território e em diversas frentes: na pressão junto aos poderes públicos, na articulação com movimentos e organizações solidárias, no fortalecimento da educação e no envolvimento de crianças, jovens, adultos e idosos com os propósitos da associação.
São frutos dessas ações a aprovação das Leis Municipais nº 353/2015 e nº 373/2016. A primeira instituiu a política de educação contextualizada e a segunda garantiu a proteção da biodiversidade, proibindo atividades de extração mineral. A pressão popular contra o possível empreendimento, após a busca de informações e os debates intensos que se desenrolaram desde a descoberta do projeto, colocou o prefeito Antônio Alves Melo ao lado da população, o que possibilitou um cenário político favorável à proposição e aprovação dessas leis e de freio às investidas empresariais.
As experiências compartilhadas no intercâmbio em Ipaporanga foram elogiadas no momento de partilha que reuniu comunidades e visitantes na Escola de Ensino Fundamental José Domingos de Morais, em Lagoa do Barro. Algumas pescadoras e pescadores, que estiveram na Feira para o I Seminário Interestadual de Pescadoras e Pescadores, enalteceram a força mobilizadora das comunidades, em especial das mulheres, e compartilharam vivências dolorosas decorrentes do mesmo modelo econômico desenvolvimentista a partir de ameaças que não conseguiram conter em seus territórios. É o caso dos impactos gerados pela construção da barragem de Sobradinho, na Bahia, no curso do Rio São Francisco. “Se nós tivéssemos naquela época a força que essas mulheres (de Ipaporanga) têm, a oportunidade de ter esse intercâmbio, o conhecimento, tinha sido diferente. (…) Perdemos peixes nativos, perdemos aves nativas, frutas nativas pela construção da barragem de Sobradinho. (…) se nós tivesse se unido, nós não tinha sofrido tanto, não tinha perdido tanto. Até hoje tem famílias pagando o preço altíssimo porque não soube lutar”, desabafa Eliete, do Movimento de Pescadoras e Pescadores Artesanais da Bahia.
A população das comunidades ao pé da serra em Ipaporanga na luta que se tornou cotidiana responde ao fim do dia a questão que deu título ao intercâmbio: “Mineração ou superação da violência e bem viver: qual a escolha?”. Crianças, jovens, adultos, idosos escolheram o bem viver e inspiraram os corações necessitados de ânimo para outras tantas lutas que conectam lugares e pessoas sedentas de justiça e vida plena.
Por Elenice Morais, da Cáritas de Iguatu, e Raquel Dantas, da Cáritas Regional Ceará.