Provavelmente a maioria de nós que estamos lendo isso nunca fomos aos Estados Unidos, ou à Europa, mas a gente conhece a vitalidade de Manhatan, as vias charmosas de Veneza onde trafega-se a barco ou até mesmo o hábito de comer formiga do povo chinês. Mas se a gente for perguntar ao povo de Quiterianópolis, por exemplo, onde fica o Purgatório, provavelmente as pessoas lembrarão do lugar onde alguns cristãos imaginam ser o lugar de pagar os pecados, não um serrote que hoje abriga a esperança de melhor acesso às telecomunicações para algumas comunidades dessa cidade. É também para mergulhar na extraordinária história de cada comunidade e viver a experiência de turismo na própria localidade que, nos cinco municípios onde está sendo executado o Lote 03 do Projeto Paulo Freire (Arneiroz, Aiuaba, Parambu, Tauá e a própria Quiterianópolis), estão sendo realizados Diagnósticos Rurais Participativos (DRP).
Na realidade, ainda falando do Purgatório, nome do serrote onde, no topo, está sendo instalada uma antena de telefinoa móvel, ele não era conhecido de perto nem mesmo por algumas pessoas das comunidades Extrema, Boa Fé, Divisão, Anjico, Várzea Redonda e Santa Bárbara, que acolheram o DRP nos dias 16 e 17/11. Após mergulhar na história do próprio lugar no primeiro dia, em que se foi mapeado, de maneira coletiva, tal morro e outros pontos importantes desses lugares, bem como partilhado um pouco da história das pessoas e de como se desenvolveu aquele chão onde pisam, o segundo dia foi momento de um passeio por esses pontos. Como uma aula de campo sobre si próprio, cada uma e cada um ao mostrar para as/os agentes Cáritas o que era cada um daqueles elementos do lugar onde moram, o que antes parecia comum passa a ter a importância que realmente possuem. Isso ficou nítido na partilha feita após o percurso.
“Eu realizei um sonho que eu tinha vontade de realizar, de subir até lá na antena do Purgatório”, comemorou dona Fátima Mota. Sentimento compartilhado pela jovem Paula Kelry, que também comemora o fato de que a comunidade vai também poder ter acesso a sinal de celular e internet com mais facilidade. “Hoje pra gente ligar precisamos de uma antena rural, e internet só pagando provedor, agora isso será facilitado. É um avanço que chega à nossa comunidade”, exalta Paula. A viagem ao topo do serrote em questão foi uma verdadeira aventura, já que a subida foi feita a pé, por pessoas de várias idades. Mas também foram visitadas casas antigas, que, embora abandonadas, são um museu vivo, com adornos e materiais de construção contendo um charme da rusticidade e do acabamento detalhado que a praticidade da arquitetura moderna não aproveitam mais.
O serrote, que foi criado, assim como todas as serras e montanhas, depois do grande dilúvio em que só sobreviveu Noé e sua arca, o baú de ouro que com certeza está enterrado perto das casas abandonadas, o bebê que chora toda madrugada nestas mesmas casas se alguém se aventurar a entrar lá sozinha/o, as engrenagens do engenho rudimentar que ainda resiste ao tempo, tudo isso é muito real no imaginário das pessoas desses lugares, uma história que está registrada no coração delas e deles, e que faz e fará parte de cada passo dado. “Esse passo é importante para as pessoas beneficiadas pelo projeto possam perceber as próprias potencialidades, os desafios e as vocações, e pra gente conhece-los melhor também”, argumentou Antônio Martins, agente Cáritas e assessor da equipe de agentes atuando nessas comunidades, composta por Katiana Sousa, Elinalda, Saymon e a estagiária Luciélia Dantas.
RIACHO E BARRO BRANCO
Pé de manga, açude, barragem de açude, cisterna de escolas, pocilga foram alguns dos pontos mapeados e visitados por moradoras/es das comunidades Barro Branco e Riacho. A equipe formada por Francivaldo Moura e Edmar Filho, juntamente com a estagiária Ariely Silva, também coordenados por Antônio Martins, vivenciaram experiências semelhantes de descobertas e partilhas. “Tem família que mora lá há dez anos e não conhecia a origem da sua comunidade. Esse tipo de trabalho em grupo ajuda a elucidar os problemas e a encontrar soluções”, acredita Francivaldo. A fala do agente Cáritas foi reproduzida de diferentes maneiras no encerramento. Durante a dinâmica da teia, as expectativas, os receios e também a gratidão pela experiência estavam interligadas nas mãos de diferentes pessoas por um fio, símbolo do método que o projeto Paulo Freire propõe para o crescimento. Um crescimento com, e não sobre. Cooperação e não competição.
O próximo passo do Projeto Paulo Freire (PPF) é sistematizar os diagnósticos e construir com as comunidades um plano de negócios, em que o Governo do Estado do Ceará, através da Secretaria de Desenvolvimento Agrário, em parceria com o Fundo Internacional do Desenvolvimento Agrícola, com a execução da Cáritas de Crateús, pretendem investir em implementações, cursos e assistência técnica permanente para, junto as comunidades beneficiadas, superar os desafios da escassez de recursos e de direitos, gerando renda, cidadania e um Semiárido sustentável. O Lote 03 do PPF terá duração de três anos e visa a melhoraria da qualidade das famílias atendidas.
Fotos e texto de Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús.