A LUTA PELAS ÁGUAS NOS SERTÕES DOS INHAMÚNS-CRATEÚS

A Cáritas Diocesana de Crateús (CDC) participou de diversas atividades, em vários municípios do território Inhamúns-Crateús durante março em defesa dos recursos hídricos. As ações fizeram parte da programação de dezenas de organizações e da própria CDC pelo Dia Mundial da Água, celebrado em todo o mundo no dia 22 deste mês. Foram romarias, atos públicos, formações, sempre em defesa do direito ao acesso, da necessidade de nos conscientizarmos para preservar tal riqueza e orientações sobre os papéis do poder público e de cada cidadão e cidadã nesse processo. Vale o destaque para as conquistas do movimento “Águas para a Vida” de Crateús, o qual conseguiu o fechamento das torneiras do açude Araras para o agronegócio, medida para garantir água para os municípios beneficiados pela adutora construída à partir de lá para beneficiar Nova Russas e Crateús, além das localidades no entorno desse reservatório. Não obstante, foi fechado o acordo de construção coletiva de um Plano Municipal de Convivência com o Semiárido, medida que pode inaugurar um momento novo de gerenciamento, não só dos recursos hídricos, mas de toda forma como lidamos com nosso bioma, tanto no campo como na cidade.

“Eu contribuí na formação em Educação Contextualizada em alguns municípios que acompanhamos, e um dos temas abordados foi água”, explicou a irmã Erbênia Sousa, coordenadora da CDC. A temática trabalhada com educadoras e educadores foi Soberania Alimentar e Nutricional, na qual a abordagem da água é fundamental, no que tange a otimização da utilização, da preservação, da conscientização de como ela é gestada pelos governantes, de qual forma ela é distribuída desigualmente e como cada uma e cada um pode fazer sua parte pela preservação do líquido fundamental às vidas. As formações temáticas foram realizadas em Tamboril, Quiterianópolis, Ipaporanga, Independência e Nova Russas, municípios onde o projeto patrocinado pela Petrobras é realizado.

No dia 14, a Diocese de Crateús promoveu Seminário das Águas e dos Grandes Projetos, no auditório João Paulo II da paróquia Imaculada Conceição, em terras crateuenses. Com a participação de sindicatos, representantes do poder público, movimentos sociais e de agentes de pastoral, o assessor Zé Carlos, professor da UFC e da assessora Soraya Tupinambá, assessora parlamentar, contribuíram para a reflexão de como deveria ser a política de distribuição hídrica no Semiárido brasileiro, e consequentemente cearense. “A Política de Convivência com o Semiárido deveria ser ‘A’ política, e não um adereço”, explicou Soraya. O professor Zé Carlos explicou que as tecnologias de convivência, como Cisternas, barragens são uma conquista das comunidades e dos movimentos populares, mas os governantes ainda não se apropriaram dessas ideias, e fundamentalmente desse novo paradigma de bem viver nessa região.

Em Nova Russas foram realizados dois momentos fortes neste mês das águas. O primeiro deles, no dia 15, foi a II Romaria das Águas. À partir das 4h a caminhada organizada pela paróquia Nossa Senhora das Graças levou o povo a meditar, orar e refletir sobre a situação hídrica do município, uma vez que o açude Farias de Sousa, a principal fonte hídrical da cidade, está vazio. No dia 21 pela manhã foi a vez do Sindicato dos/as Trabalhadores/as Rurais puxar um ato público na praça do Mercado Velho, também com a participação da paróquia e da CDC, para refletir com a população a respeito da água, seja através de falas, místicas ou materiais impressos. Um gesto concreto dessa manifestação foi a coleta de assinaturas em abaixo assinado pela limpeza do açude. “Gestos educativos como esses são fundamentais no dia-dia. Quero aqui expressar nosso apoio a essa luta e dizer que em Nova Russas implementamos a construção de centenas de Cisternas de placa e agora executamos o “Cisterna nas Escolas”. Através deste último citado estamos construindo reservatórios de 52 mil litros para garantir o direito à água de qualidade nos colégios da zona rural”, explanou Moizeis Santos, agente Cáritas.

Em Independência a XII Romaria das Águas envolveu a participação de pessoas das áreas rural e urbana de praticamente toda a cidade. Parte do trajeto até a comunidade Agrovila foi feito em automóveis e parte caminhando pelo chão enlameado. Uma chuva ora forte e ora mais fina que caiu durante toda a madrugada e nas primeiras horas da manhã decoraram o ambiente por onde passaram centenas de pessoas. Durante as paradas foi denunciada a estação de tratamento do esgoto, que costuma derramar e poluir açudes e rios próximos dali quando os invernos são mais intensos; foi apresentado o avanço para a agricultura familiar garantido pelas cisternas de primeira, e sobretudo de segunda água, pelas quais é possível continuar produzindo mesmo em tempos de estiagens. No fechamento, a comunidade acolheu lindamente os romeiros e as romeiras. Lá, na localidade construída para abrigar pessoas que moravam no entorno do que hoje é o açude Barra Velha houve celebração eucarística e a partilha de alimentos. “Muitas comunidades não vieram porque não conseguiram passar por ruas alagadas. Nessa época, com as chuvas as vias na zona rural ficam todas esburacadas ou encharcadas, e como nesse ano o governador não veio, não ajeitaram as ruas”, ironizou padre Machado.

Em Crateús a atividade foi realizada no dia 23, por ser um dia útil, uma vez que uma dos objetivos do levante, além da denúncia em vias do centro da cidade, pretendia-se e foi conquistada uma audiência com representantes dos governos municipal e estadual. O ato público foi organizado pelo movimento “Águas para a Vida”, composto por CDC, STTR, RESAB, MST, Levante Popular da Juventude, Paróquia Senhor do Bonfim, FECC, Frente Social Cristã, Sindicato dos Professores e IDESAF. Entre as conquistas na audiência está o acordo de construção conjunta entre Poder Público e organizações sociais de um Plano Municipal de Convivência com o Semiárido, medida aparentemente inédita para as cidades do Estado do Ceará, pelo que se tem conhecimento, e que pode garantir ações estratégicas de médio e longo prazo para as áreas rural e urbana em vista de garantir situações de vida mais amenas, seja em tempos com invernos acima, abaixo ou na média.

Outro acordo firmado com a Prefeitura Municipal de Crateús diz respeito à água para a irrigação do agronegócio. Esta não mais será disponibilizada do açude Araras à partir do dia 31 de março. Essa também é uma conquista históricas para o Semiárido cearense, porque regula as prioridades do uso das águas em situação de crise, garante o acesso à água dos municípios de Nova Russas e Crateús, beneficiados com essas águas através de adutora construída. “Nos garantiram que com essa medida Crateús e Nova Russas terão distribuição de água dia sim e dia não durante todo o ano de 2015, tempo que seria ser menor pelo menos a metade caso as torneiras para a irrigação não fossem fechadas”, comemorou Paulo Giovane, da RESAB. A mesma comissão que reuniu na segunda, reunirá com secretários de estado em Fortaleza na terça (24).

Vale registrar que também houve Romaria das Águas em Tamboril, a tradicional Romaria de São José em Tauá, além de semana de estudos em Ipaporanga. É a Diocese de Crateús e a CDC refletindo e lutando em favor do líquido mais precioso para a vida, considerado sagrado, seja vindo das chuvas, dos rios ou do subterrâneo pelo povo dos sertões dos Inhamúns-Crateús e de todo Semiárido Brasileiro.