Em 1926 passava pelo Sertão do Ceará a Coluna Prestes, movimento militar liderado pelo comunista Luís Carlos Prestes que atravessou parte do Nordeste enfrentando o exército do presidente Arthur Bernardes e depois de Washington Luís, a fim de exigir reformas políticas e sociais, denunciando para o mundo a miséria enfrentada pela população empobrecida dessa região. Nos dias 02 e 03 de junho de 2016,  90 anos depois da passagem dos “Cavaleiros da Esperança” por Crateús, a mesma praça Gentil Cardoso que abriga um monumento em homenagem a eles acolheu a XII Feira Regional da Agricultura Familiar e Economia Popular Solidária dos territórios Inhamuns e Crateús (Ferafeps), evento que trouxe uma marcha militante de 18 estados brasileiros, não para presenciar lamúrias ou prestar socorro, mas para testemunhar a conquista soberana do povo sertanejo para continuar produzindo, gerando renda e aprendizagens, mesmo após seis anos de seca, algo inimaginável há recentes décadas.

“Há três anos atrás a grande pergunta feita a nós era se não tava na hora de parar de fazer essa Feira. Como a gente pode fazer a feira da agricultura numa situação de seca como essa?”, ponderou irmã Erbenia Sousa, coordenadora da Cáritas Diocesana de Crateús e membro da coordenação geral do evento. Segundo ela, as próprias agricultoras, os próprios agricultores encorajaram a organização a seguir em frente, alegando que graças às tecnologias de convivência com o Semiárido, que são sustentáveis, é possível continuar produzindo e, consequentemente, realizando essa atividade, mesmo em anos com poucas chuvas. “Nós, que fazemos parte de cerca de 30 instituições realizadoras, celebramos esse momento, nesta ação que já podemos chamar hoje de nacional, porque ao todo somos hoje 31 municípios só do Estado do Ceará e mais representantes de todas as regiões do país”, comemorou Cláudio Lima, coordenador da Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultoras/es Familiares do Estado do Ceará (Fetraece), regional Crateús, e também coordenador geral da Ferafeps.

A Feira

Nas duas noites, cerca de 20 mil pessoas, entre organizadoras/es, voluntárias/os, artistas, feirantes e grande público circularam pela Feira. Foi possível presenciar (re)encontros de pessoas e muita integração entre os povos do campo e da cidade, fazendo do evento uma grande ciranda revolucionária, um sinal concreto de um outro mundo possível. “Eu já tinha ouvido falar da Feira, mas nunca havia participado. Esse ano eu pude vir e achei muito participativo, vi muitas coisas legais que a gente não conhece de vários outros lugares. Também conheci muita gente de outros estados, e pude aprender com eles coisas legais que podemos criar nos nossos municípios aqui também”, comentou Chaguinha, natural de Ararendá-CE. Já Pâmela Muniz, gaúcha e agente da Cáritas Diocesana de Bagé-RS, que participa pela segunda vez da Feira, declarou ser muito bom poder presenciar o evento que a cada ano melhora e cresce, “ganha notoriedade, ganha mais pessoas e promove cada vez mais a economia solidária.

“Eu avalio que de fato é uma oportunidade para o agricultor estar expondo seus produtos. A gente comercializou bem nos dois dias, numa forma de estar melhorando a renda da agricultura familiar”, avaliou Beto, agricultor e indígena da aldeia Viração, em Tamboril-CE. Para ele, participante de três edições, o evento já consta como uma espécie de calendário oficial das produtoras e produtores da região. “A economia solidária é importante tanto pra quem comercializa como pra quem compra. O comércio justo é muito importante e promove mudanças reais”, concluiu. Durante as duas noites o palco central da praça também abrigou várias apresentações culturais, do reisado ao “III Festival de Sanfona”, promovido pela Prefeitura Municipal de Crateús, levando também o tempero da cultura popular para a Feira, fazendo tudo ficar ainda mais plural e animado.

Formações, Encontros Nacionais e Intercâmbios

Trocas de saberes na XII Feira foram promovidas por meio de seminários, oficinas e intercâmbios, trazendo às/aos participantes oportunidades de debater e aprofundar temas pertinentes à atual conjuntura brasileira. Nos dias 01 e 02, no IFCE-Campus Crateús, foram realizados os Encontros Nacionais de Voluntariado e Seminário para debater sobre questões do Semiárido Brasileiro. Os dois eventos foram animados pela Rede Cáritas, mas também contou com representantes de outras organizações parceiras, como a Articulação do Semiárido Brasileiro (ASA). Já no dia 03, foram realizadas seis oficinas temáticas, cujo público alvo primordial foram as/os próprias/os empreendedoras/es, ocorridas também no instituto, sendo elas: Linhas de Crédito, Redes de Comercialização Solidária, Cadastro Ambiental Rural, Arte (Desenho Realista e Grafite) e Reciclagem.

Intercâmbio sobre caprinocultura, em Monsenhor Tabosa

As/os participantes também puderam participar de seis intercâmbios para discutir como a Educação Contextualizada para Convivência com o Semiárido (ECCS) gera frutos na região de Crateús. Em Independência o tema foi Educação e Pedagogia da Alternância; em Quiterianópolis Educação e reuso de águas cinzentas (pia, banho, lavagem de roupas, etc.), com o sistema Bioágua; em Tamboril a discussão foi sobre educação e Políticas Públicas, já que lá a ECCS é uma política pública; em Ipaporanga o debate teve como foco educação e resistência à mineradora, que ameaça destruir mais de 60 olhos d’água; em Crateús uma delegação visitou a Serra das Almas, para experienciar como a educação popular pode interferir na produção agrícola preservando a Caatinga; e em Monsenhor Tabosa foram apresentadas técnicas de beneficiamento de caprinos, animais que consomem 70% menos água que a bovinocultura.

Encontros que dão razão a um famoso dizer de Luis Prestes: “Está no latifúndio e na má distribuição da propriedade territorial, a principal causa da miséria e ignorância do nosso povo” e não na seca. Ou como profetizou irmã Lourdes Maria, vice-presidente da Cáritas Brasileira, “muita gente pequena, em muitos lugares pequenos, fazendo coisas pequenas mudarão a face da Terra. Isso é a Feira de Crateús”.