“A sistematização é aquela interpretação crítica de uma ou várias experiências que, a partir de seu ordenamento e reconstrução, descobre ou explicita a lógica do processo vivido, os fatores que intervieram no dito processo, como se relacionaram entre si e porque o fizeram desse modo.” (Oscar Jara Holliday)
            
Falar sobre processos de sistematização me remete a como me encontrei com essa vertente do conhecimento. Fazia parte do Instituto Terramar e havia um grande projeto envolvendo o Fórum em Defesa da Zona Costeira Cearense, o Fórum de Pescadores e Pescadoras e a Rede de Educação Ambiental do Litoral do Ceará/REALCE. Pois. Projeto grande, muitas ações, três anos — e em meio a todas as tarefas, a de sistematizar a experiência. A entidade que financiava o projeto tinha/tem muita visão: proporcionou às suas parceiras um processo de capacitação em sistematização de experiências com uma consultoria que nos foi dada por Mara Vanessa, do estado da Bahia.
            
Nunca esqueço uma frase que Mara sempre dizia: é possível ser feliz enquanto se sistematiza. A razão de ser dessa afirmação deve se dar ao fato de que, no nosso país, os processos que envolvem reflexão e produção escrita geralmente requerem muito esforço — às vezes acompanhado de não pouco sofrimento. Particularmente, porém, encontrar essa possibilidade, esse possível num campo para mim então completamente novo, foi muito estimulante.
            
Sobretudo porque coube a tarefa, então, de animar a equipe de sistematização daquela que resultou numa publicação acompanhada de um cartaz/mandala e de um DVD de dados: Manguezais x Carcinicultura – lições aprendidas. Foram três anos nesse primeiro trabalho, para além dos três anos do próprio projeto. Muita gente envolvida, muita ação desenvolvida — mas um primeiro grande aprendizado: é preciso focar para sistematizar. E nesse processo, um outro importante encontro foi com a obra de Oscar Jara Holliday e o seu “Para Sistematizar Experiências”. Sedenta que estava de apreender de que forma poder compartilhar os aprendizados da questão que escolhemos como foco, seguir o passo-a-passo sugerido por esse autor facilitou em muito tudo aquilo que tínhamos que desbravar — tendo em conta que a nós cabia tornar o “S” do PMAS efetivo (PMAS = planejamento/monitoramento/avaliação/sistematização a que estão sujeitas todas as entidades da sociedade civil organizada, sobretudo as ONGs, ou seja, as chamadas organizações não governamentais — sabendo que para a parte da sistematização, geralmente, pouco se envida esforços no sentido de prever tempo/recursos e pessoal para tal tarefa).
            
E aí, quase que sem querer (rs), chegamos a um segundo aprendizado: o de que de fato é necessário se pensar em tempo, em recursos e em pessoas para que sistematizar não vire um estorvo na vida institucional de qualquer entidade, de qualquer grupo, de qualquer projeto. Mais: para que realmente seja um tempo de reflexão, de aprendizado — e, como diz Mara Vanessa, de também ser feliz.
 
Nesse sentido, passado já mais que um ciclo de sete anos desde que me propus tomar como minha, dentre tantas outras que exerço, a tarefa de contribuir para a sistematização de experiências relativas ao campo da educação popular no Ceará e no Brasil, eis-me aqui já também no segundo ciclo de sistematização junto à Cáritas Diocesana de Crateús/CDC, outra vez a lidar com a rica experiência de educação contextualizada no semiárido cearense da qual resultou, no primeiro momento, uma publicação, um jogo, um cartaz e um DVD de dados chamado: Retalhos de uma educação contextualizada — e um enorme subtítulo…
 
E porque para mim não basta saber fazer se não é possível compartilhar esse próprio modus operandi do que seja sistematizar, eis-me aqui na missão de buscar apreender os 5 passos dados pelo mestre Oscar Jara a partir de feições nossas, processos nossos, aprendizados nossos ao longo desse tempo — respondendo a uma provocação feita pela assessoria de comunicação do projeto da CDC, na pessoa do Eraldo, para ocupar o site do projeto com elementos do próprio projeto.
            
Isso porque para além de termos que, conjuntamente, chegar a produzir processos que resultem no compartilhamento da experiência de educação contextualizada em questão, havemos que chegar ao ponto em que realmente sistematiza quem viveu a experiência, sem necessidade de mediações feita por um sujeito externo ao processo que, conquanto possa aportar um olhar estranhado e, por essa razão, também significativo, nem por isso se faça necessário, se dadas não forem condições para isso.
            
E por que estou a dizer isso tudo? “Pela simples razão de que a aranha vive do que tece”, como já dizia Gilberto Gil. Ou, dito de outro modo, porque com uma experiência tamanha como a de uma educação contextualizada que extrapolou as fronteiras de um município (Tamboril — foco do primeiro processo de sistematização em 2008) para mais outros quatro (Nova Russas, Independência, Ipaporanga e Quiterianópolis), envolvendo mais de 70 escolas municipais e mais de 400 educadores/as junto a um conjunto de estudantes que chega ao número aproximado de 3.350 sujeitos em formação, não se pode pensar que uma única sistematização possa dar conta do que seja essa experiência!
           
Daí a necessidade de, ao tempo em que vamos tecendo esse processo, possamos ir urdindo outro: o da conscientização de que cada educador ou educadora, cada coordenador ou coordenadora, cada comunidade, cada escola, cada educando ou educanda pode ir tecendo igualmente processos de sistematização — para os quais, inclusive, nem haja espaço neste blog ou no site do projeto ou nas paredes onde esses processos se dão!
           
E nesse sentido, meu papel enquanto facilitadora desses processos é o de dizer: gente boa, vamos nos apropriar disso! Pois que é conhecimento da humanidade, ao qual todos temos direito — e às vezes mesmo o dever de assumir, tendo em conta que diante de tantos processos produtores desse conhecimento, como diz Boaventura Souza Santos, será um absurdo deixar-se perder os aprendizados gerados, as lições aprendidas, os caminhos trilhados por falta de um debruçar-se sobre eles.
           
Então a nossa proposta é ir, a cada mês (desde este novembro de 2014 a abril de 2015) escrevendo um pouco sobre os 5 passos que tornam possível a apreensão de uma experiência, por qualquer tipo de grupo/projeto/sujeito.
            
Que a nossa caminhada possa, então, se dar guiada pelo bom senso e pela confiança de que tão importante quanto fazer é refletir criticamente sobre esse fazer. E, assim, que possamos tecer conjuntamente tantos retalhos quantos forem necessários para que os caminhos trilhados pela educação contextualizada na região de Crateús, sertão dos Inhamuns, se disseminem e difundam mundo afora — não como receita, mas como referência de que é possível viver e ser feliz no semiárido.
 
*Por gigi castro – cantora/compositora/ facilitadora de processos de sistematização de experiências