Em todos os diagnósticos feitos a situação da região dos Sertões dos Inhamúns-Crateús aparece como a mais crítica do Ceará e do Brasil, em relação a recursos hídricos. A falta d’água atingiu violentamente todos os lares no início desse ano. E como resposta, o povo do município polo dessa microrregião está prestes a aproveitar o momento de crise para dar um salto histórico, no que tange a conquista de políticas públicas junto as prefeituras do Semiárido Brasileiro. Representantes de organizações da sociedade civil organizada e da Prefeitura Municipal de Crateús reuniram-se no final da tarde da última sexta-feira (10/04) para começarem a desenvolver o Plano Municipal de Convivência com o Semiárido. A ação é fruto da negociação feita após ato público realizado no dia 23/03, animado pelo Movimento Águas para a Vida, que na ocasião cobrou ações de curto, médio e longo prazo do poder público para garantir distribuição de água de qualidade até mesmo em longos períodos de estiagem. Contudo, a negociação teve um salto qualitativo quando em consenso decidiu-se não pensar na questão hídrica de maneira isolada, e sim aproveitando tudo que os poderes públicos de diversas esferas e os movimentos sociais, sindicatos e demais organizações já avançaram no conhecimento das potencialidades e limitações do Semiárido. 

Como primeiro passo desse plano, uma comissão formada por três representantes de instituições da sociedade civil e três da prefeitura reunirá amanhã (14/04), às 09h, na sede da Cáritas Diocesana de Crateús (CDC) para primeiramente juntarem os diversos diagnósticos e planos nessa linha de convivência, formularem uma síntese e apresentarem para o grande público, para em seguida formular-se o plano propriamente dito. Este deve sistematizar e tornar política pública municipal um conjunto de iniciativas inter-relacionadas em várias áreas de atuação que defendem a vida no Semiárido e que visem compreender os limites e aproveitar as potencialidades da região Semiárida. Isto, sem esquecer o princípio de se respeitar e preservar o meio ambiente e valorizar os saberes populares. “Há regiões Semiáridas no mundo em que se chove menos do que no Ceará e se convive melhor do que aqui”, afirmou Francisco Teobaldo Marques, representante da Secretaria Municipal da Defesa Civil. Segundo ele, as condições de vida nas regiões Semiáridas brasileiras já melhoraram nos últimos anos, e poderão ser ainda melhor se houver maior investimento em políticas públicas estruturantes e principalmente em educação contextualizada.

“A Ideia de ter plano de Convivência com o Semiárido é salutar e podemos estar construindo algo de referência para o território, ou quem sabe para o Brasil”, analisou Erbênia Sousa, coordenadora da CDC. Segundo ela, há muitos avanços conquistados nessa linha que precisam virar políticas públicas. Ela citou o exemplo da Educação Contextualziada para Convivência com o Semiárido que, segundo especialistas, coloca o município de Tamboril – que adota o método há oito anos – como tendo uma das melhores educações no Brasil. Ela também falou das experiências de cisternas de enxurrada e de calçadão que garantem a produção  rural mesmo na quadra do verão. “Precisamos mapear o que nós temos de potencial nos âmbitos rural e urbano, e nos prepararmos para as situações extremas, que tendem a se tornar mais comuns devido as mudanças climáticas. Por exemplo, há grandes chances de ano que vem ser de cheias. Precisamos estar preparados para isso”, pontuou.

Um dos pontos mais discutidos nesse primeiro encontro foi como a população na zona urbana tem se preparado pior (ou não tem se preparado) para conviver com o Semiárido nos últimos anos. “Com a crise hídrica que vivemos aqui em Crateús, principalmente em fevereiro desse ano, eu lembrei que tinha um reservatório de água e umas calhas no depósito de casa. Então eu as instalei e quando fazia isso a minha filha perguntou o que era aquilo”, testemunhou Jorge Luiz de Oliveira, titular da Secretaria Municipal de Agricultura. Ele se referiu como as pessoas na cidade pouco ou nada têm em casa meios para reter as águas das chuvas, ao contrário do povo do interior, que conquistaram cisternas e sofreram menos do que a população da zona urbana os tempos difíceis que o município crateuense viveu. Entre os relatos ouvidos pelo Movimento Águas para a Vida, quando era feito processo de escuta nas comunidades, estão o de que quando chovia as raras calhas encontradas nas ruas eram disputadas para reter águas em baldes. Por isso, uma das ideias mais consensuais para o plano é de obrigar as novas construções urbanas a ter um reservatório d’água em casa, e passar a incentivar a construção das mesmas nas residências e nos prédios públicos já existentes.

Um ponto bastante debatido nesse encontro foi a questão do respeito ao meio ambiente em atividades produtivas, seja em fábricas e indústrias, seja na produção agropecuária. Considerou-se importante pensar o plano levando em consideração as mazelas do uso de agrotóxico, da emissão de gazes poluentes e da utilização exagerada de água. Outro ponto debatido foi a necessidade de discutir os planos municipais de recursos hídricos, de gerenciamento de resíduos sólidos e demais  de forma integrada ao plano maior que está sendo construído. A comissão formada paritariamente terá como missão definir a própria agenda, mapear e sistematizar planos e diagnósticos e apresentar para a população o resultado do que se tem de avanço, desafios e potenciais nessa linha, e à partir daí construir de forma participativa e democrática um conjunto de medidas que são e serão necessárias para termos cada vez mais o Semiárido, no meio urbano ou rural, como um lugar bom para viver.