Atenção não exigida, mas conquistada
Se você der um celular antigo para uma criança de dois anos, mesmo uma que ainda não fale direito irá certamente passar os dedos na tela querendo aumentar ou diminuir a foto. Se for um celular menos moderno você certamente ficará constrangido, inclusive. Em plena era digital onde informações circulam numa velocidade alucinante para todos os lugares e vindas de todas as partes, talvez seja meio difícil a gente parar pra pensar como chegamos aqui. Como nossa cultura, nossas histórias, nossas aprendizagens, nossos valores não se perderam no tempo? Muito disso foi graças às contadoras e aos contadores de histórias. Seja na beira da fogueira, de um rio ou escondendo-se de uma nevasca, era no momento em que as pessoas mais experientes e sábias contavam histórias, fictícias ou não, que boa parte de todo acúmulo dos povos primitivos foram registrados na memória das pessoas e passadas adiante oralmente. Mesmo depois das gravuras, da escrita, da máquina de Xérox, da internet, esses contadores e essas contadoras ainda estão espalhados pelas comunidades e bairros, com a mesma importância.
Procurando bem todas/os nós temos na memória alguém assim, que prende a nossa atenção e, através da história oral nos faz submergir em universo paralelos, fantásticos, excitantes, revoltantes e aí por diante. O que a educadora Mariana Santana fez na última semana (14 a 16/03), nas escolas municipais da sede de Quiterianópolis, foi reavivar milênios de história num gesto de contação de histórias. Ali, ao redor dela, estavam crianças e adultas/os de várias idades, pessoas que poderiam até permanecer ali após serem convocadas, por educação, mas não ririam, não ficariam felizes se a história e a forma como ela estava sendo contada não fossem interessantes. Mariana consegue isso. “Todo dia que eu vou contando eu vou aprendendo, eu vou testando, e mesmo depois de ensaiar e recontar várias vezes a mesma história eu nunca a conto da mesma forma”, confessa.
O projeto “Educação Contextualizada: Construindo Bem Viver nos Sertões dos Inhamuns/ Crateús”, realizado pela Cáritas Diocesana de Crateús e patrocinado pela We World tem também como foco fomentar a ludicidade da educação através de jogos, livros, mas também de contação de histórias. Porque não dá pra aprender sobre o contexto em que se vive sem valorizar a história não canônica, aquela que não está nos livros, e sim gravada na sabedoria popular, que só é compreendida na sua plenitude ouvindo histórias. Quem foi que disse que aprender é necessariamente tirar nota boa na prova? Esse sistema é falho, corruptível. As crianças que ouviram a história narrada por Mariana, falando sobre a importância da água para a vida delas, certamente ficaram com aqueles símbolos todos (palavra, sorriso, gestos, objetos, etc.) na memória. Agora essa história está ressignificada dentro do universo particular de cada ouvinte e, provavelmente, ela será recontada, passando adiante não só aqueles saberes, mas a forma saborosa como aquela aprendizagem foi apreendida. Assim continua caminhando a humanidade. Assim, se depender de boas educadoras como Mariana, continuará.
Por Eraldo Paulino, comunicador popular da Cáritas Diocesana de Crateús.